Os miúdos da minha cidade
traquinas e irreverentes
estendem a mão suplicante
“—Uma moeda p`a pão…”
segurando a caixa de cartão
“—Não roubo! Peço!”
Os miúdos da minha cidade
as esplanadas da avenida
serpenteiam em bandos
“—One dollar, please, madame…”
sorvendo tragos amargos
“É doce, Carla! --Dá-me…”
Os miúdos da minha cidade
no cimento quente do cais
jogam ilusões nas moedas
“—Casa! --Coroa! --Vira!”
sonhando riqueza fácil
“—Paga mais vinte! --Pira-te!”
Os miúdos da minha cidade
catraios ágeis ladinos
mergulham no mar esperanças
“—Sor, uma moeda p`a gente…”
buscando o desejado presente
“—Achei, João, 50 patacas!”
Os miúdos da minha cidade
oito dez doze anos elas e eles
cursam da vida a dura escola
“—P`a comer! Uma esmola…”
saboreando o amargo suor salgado
tingido de sangue e pó mesclado
Os miúdos da minha cidade
à margem da sociedade
estendem a mão suplicante
“—Uma moeda, sor! --One dollar!”
recolhendo no íntimo infantil
o desprezo lançado do olhar
Os miúdos da minha cidade
por becos e travessas escuras
ganham o direito à vida
escapulindo à pública ordem.
Os miúdos da minha cidade
são aquilo que são: “—Miúdos !”
L. Araújo, in: "Princípio...e...Fim!"